quinta-feira, 21 de outubro de 2010




É tempo...

“Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas,
que já tem a forma do nosso corpo,
e esquecer os nossos caminhos,
que nos levam sempre aos mesmos lugares.
É o tempo da travessia: e,
se não ousarmos fazê-la, teremos ficado,
para sempre, à margem de nós mesmos”.


Fernando Pessoa



Esse tempo chegou...



O cortejo inicial do bom senso sangra o lúdico, violentação extrema ao eu lírico tão apaixonado quanto a mulher que o abriga. Numa atitude tão bem resolvida, com altivez, perceber que é hora de fechar as comportas, de castrar as possibilidades e marchar empunhando a insígnia da honra. Impulsionada por palavras doridas vem a decisão de vestir-se do desapego ao contrapor o verdadeiro desejo pela inestimável sensibilidade. Em voga a decisão do outro como a cobrar as roupas emprestadas, as sandálias e todas as alegrias compartilhadas ao estender um caminho de pedras pontiagudas para os pés descalços.

O tempo de seguir sozinha chega, trazendo o desencanto pela penumbra que se abate nos sonhos dourados em desespero solitário, nada além das lembranças amortalhadas, destroços de uma memória embalada por um réquiem ao fundo como uma poesia declamada na hora do sepultamento.

É tempo de atravessar, tirar do bolso a última moeda e entregar à Caronte, o barqueiro velho e esquálido, todas as dores e lamentações e libertar-se dessa bagagem pesada, ficando na beira do cais pra ter a certeza de que a barca partiu.

E, recomeçar além da margem...



Vânia Moraes

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